"Agora posso morrer tranquilo", disse Faad. Ele conduziu sua família, seu irmão doente e mais de 20 pessoas de seu vilarejo na Somália em direção ao campo de refugiados de Dadaab, na fronteira com o Quênia. Com 62 anos, o agricultor que fugia da fome conta que não tinha mais forças para andar. "Caminhamos por três semanas", disse, sujo pela poeira, sentado em um canto do centro de acolhida da ONU e lamentando que dois de seus netos foram enterrados pelo caminho.
Espera. Refugiados aguardam por autorização para entrar no campo da ONU
O Estado acompanhou o desembarque da família de Faad ao maior campo de refugiados do mundo. Eles estavam entre as mais de mil pessoas que diariamente chegam ao local. A fuga ocorre por conta da seca que atinge 13,4 milhões de pessoas no Chifre da África e, segundo a ONU, pode matar 750 mil até o final do ano.
Faad não sabe explicar por que a chuva não vem. E não sabe que o fenômeno havia sido previsto por cientistas, que avisaram a comunidade internacional. Ninguém imaginava que os sinais das mudanças climáticas viriam de forma tão antecipada.
Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) publicou uma pesquisa de mais de sete anos que concluiu que a região viveria situações climáticas mais intensas. Agora, a crise traz dois desafios ao IPCC. Primeiro, as previsões poderão ter de ser antecipadas, já que alguns dos alertas começam a se tornar realidade. Mesmo as previsões mais pessimistas estão sendo superadas pela velocidade dos fenômenos climáticos.
Outra constatação é de que o IPCC terá de ampliar as pesquisas para construir projeções mais exatas e localizadas. No caso do Chifre da África, os cientistas estimavam em 2007 que a seca poderia aumentar em alguns momentos do ano, mas que a predominância seria de um aumento também de chuvas torrenciais. Hoje é observado que a região, acima de tudo, tem sido alvo das secas. As chuvas, quando chegam, ampliam o desastre humanitário.
Seja qual for o futuro da pesquisa, a constatação é de que a seca na Somália é um dos sinais mais fortes das mudanças climáticas. Segundo Friedrich-Wilhelm Gerstengarbe, do Instituto Potsdam para Pesquisa do Impacto Climático, a seca é causada pela intensificação do fenômeno La Niña no Oceano Pacífico.
Esse fenômeno ocorreria de cada cinco a sete anos. Mas, nos últimos anos, tem se repetido com maior intensidade e num período menor de tempo. A última grande seca na região ocorreu em 2008 e se repetiu em 2011. Um dos resultados tem sido a desertificação acelerada na África. Segundo Gerstengarbe, as mudanças climáticas estariam intensificando tanto o La Niña como o El Niño, gerando um aumento de chuvas no Paquistão e na Austrália e secas na África.
Jean-Cyril Dagorn, especialista da Oxfam, alerta para os prejuízos econômicos. "A produtividade agrícola no leste da África cairá em 20% em duas décadas", diz. Isso sem contar que muitos agricultores perderam entre 30% e 60% dos animais.
Fonte: Estadão
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